O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, disse hoje desconhecer as razões da oposição de Angola ao facto de Portugal não assumir o Secretariado Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), referindo-se a uma interpretação dos estatutos.
“N ão conheço as razões da oposição, tinham-me dito que era uma interpretação dos estatutos e a invocação de regras supostamente prevalecentes em organizações internacionais”, referiu Augusto Santos Silva em declarações à Lusa e Antena 1, à margem do V Encontro “Triângulo Estratégico: América Latina-Europa-África”, que hoje terminou em Lisboa.
O dirigente nacional do PS, Vítor Ramalho, lamentou hoje o facto de Portugal não assumir agora o Secretariado Executivo da CPLP e considerou que a oposição de Angola se deveu a “problemas da banca”.
“Posso explicar a proposta que Portugal fez”, assinalou o ministro.
“Quando Portugal se deu conta de que o facto de o Brasil ocupar a presidência e Portugal o secretariado executivo ao mesmo tempo, que pela primeira vez desde a fundação da CPLP nenhum país africano teria posição de liderança na organização durante um biénio e que isto podia constituir um problema para os nossos amigos dos países africanos, Portugal imediatamente propôs uma solução que nos parece simples, prática e que resolve esse problema. Simplesmente trocar a ordem com São Tomé. Foi isso o decidido, é isso que se fará”, explicou.
Numa alusão à polémica sobre a data da próxima cimeira da CPLP, considerou a posição de Lisboa muito simples: “Cabe ao Brasil organizar a próxima cimeira de chefe de Estado e Governo da CPLP. O Brasil saberá quais são as datas que lhe convêm mais, e fará a proposta dessas datas quando sentir que está em condições de o fazer. E rapidamente chegaremos a uma data”.
Numa observação final, o ministro dos Negócios Estrangeiros referiu que a evolução da situação política brasileira é seguida “com atenção” mas também com “o respeito devido a decisões que são decisões internas do Brasil”.
A função de Portugal no designado “Triângulo América-Latina-Europa-África”, tema que também abordou na sua intervenção, deverá incluir na perspectiva do chefe da diplomacia três vectores fundamentais.
Assim Portugal deve “manter o protagonismo ao mais alto nível que caracteriza a participação portuguesa do ponto de vista político-diplomático”, um país que “sempre fez questão de se representar ao mais alto nível, isto é, Presidente da República, primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, em todas as cimeiras da CPLP e em todas as cimeiras da Conferência Ibero-americana”.
“Tenho o gosto de dizer, que é público, que essa linha continuará com este Governo e este Presidente”, frisou.
O segundo segmento concreto deverá residir numa forte aposta na “cooperação triangular, cooperar na cooperação”, como assinalou: “Portugal, o Chile e a Argentina cooperarem na cooperação com África, Portugal e o Brasil reforçarem e estimularem a sua cooperação com África, Portugal e Angola cooperarem na cooperação com países terceiros…”.
Por último, “apostar tudo na difusão das duas grandes línguas da ibero-américa”, com o Governo a privilegiar naturalmente o português, e numa lógica adicional “de pensarmos que o bloco de duas línguas de compreensão recíproca chamadas português e espanhol, ser o segundo bloco de língua materna mais falado no mundo”, mas sem que a língua portuguesa perca a sua identidade.
As perspectivas em torno da mobilidade académica foi outro aspecto abordar pelo chefe da diplomacia, e num espaço triangular vasto e para o qual Portugal também poderá contribuir.
“Como qualquer país da UE, Portugal sabe por experiência feita o enorme salto para a consolidação de um espaço que é a circulação dos seus estudantes e professores. Costumamos dizer na Europa, de uma forma engraçada, muito expressiva de dar conta de uma realidade, no momento em que celebramos um aniversário redondo do programa Erasmus. A comissária dessa área disse que já há um milhão de bebés na Europa que nasceram do Erasmus, pais de diferentes países que se encontraram no Erasmus”, recordou.
“E por isso já propusemos uma lógica de mobilidade intra-CPLP e acompanhamos vivamente essa prioridade da organização ibero-americana que é paulatinamente ir criando também um instrumento de mobilidade académica no universo ibero-americano”.
Como dizia o ilustre e saudoso Vasco Graça Moura, “a CPLP é uma espécie de fantasma que não serve para rigorosamente nada, que só serve para empatar e ocupar gente desocupada”.
Recordemos Amélia Mingas
No dia 21 de Julho de 2009, a directora executiva do Instituto Internacional de Língua Português (IILP), Amélia Mingas, disse que não iria recandidatar-se ao cargo em 2010, alegando que estava “cansada de ser sacrificada”.
Bater com a porta é, nestes casos, uma boa solução. Na altura esperava-se que o barulho fizesse algo pela comunidade lusófona (algo mais do que a mera CPLP), acordando-a da longa, mas bem nutrida, letargia em que ainda hoje se encontra.
“Tudo o que poderia ter dado já dei, com muito sofrimento e com muitas noites sem dormir para tentar ver o que poderia ser feito para dar visibilidade ao IILP. A única coisa que se comenta é que o IILP não fez nada e que é inoperante. Mas nunca deram meios”, afirmou a linguista angolana, nomeada em 2006 e reconduzida em 2008.
Também nós somos dos que dizem que o IILP é, tal como a própria Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, um elefante branco anestesiado pelas sucessivas tentativas de o tornar ora cor de rosa, ora laranja, ora outra coisa qualquer.
Isso não significa uma crítica a Amélia Mingas, a não ser que deveria (exactamente porque nunca lhe deram meios) ter há muito dado um valente murro na mesa ou, talvez, até na chipala dos que se julgam donos da CPLP.
Amélia Mingas comentava nessa data os resultados da 14ª Reunião do Conselho de Ministros da CPLP, que decorreu na Cidade da Praia, em Cabo Verde, em que foi decidido criar um grupo de trabalho para pensar a refundação do Instituto, criado em 1989.
Questionada sobre se a perspectiva de Angola assumir a presidência da CPLP em Julho de 2010 poderia trazer benefícios para a direcção do IILP, Amélia Mingas foi clara na resposta: “Quando tudo isso for aprovado e capaz de ser posto em acção, já não estarei cá. Termino a minha comissão em Julho do próximo ano. E não me recandidato.”
Amélia Mingas sabia, melhor do que todos nós, que a refundação nada mais significará do que a constatação do óbito do Instituto Internacional de Língua Português. Isto porque, ao esperarem que ele sobreviva sem “comer”, vão verificar que quando estava já a saber viver sem “comer”… morreu.
“Tem sido uma travessia difícil. A verdade é que, quer se queira ou não, o IILP tem uma directora executiva, que o representa e que dá a cara sempre que necessário, mas nunca se fala dos meios que lhe puseram à disposição. Foi uma missão muito ingrata”, sustentou.
Para Amélia Mingas, só os ministros e responsáveis da CPLP poderiam explicar a razão da criação de um grupo de trabalho vinte anos após a fundação do IILP.
“Essa resposta os ministros é que poderão dar. Eles saberão por que razão só agora estão preocupados com isso”, sublinhou, defendendo que esse trabalho deveria ter sido feito “antes da criação do próprio Instituto” e retomado mais tarde após a fundação da CPLP, em 1996.
“Como foi possível durante esse tempo todo deixar o IILP ao abandono? Não se pagam quotas, não se criam fundos para a comissão trabalhar, não se criam as comissões nacionais que deveriam trabalhar para a Língua Portuguesa em diálogo com o Instituto…”, criticou.
“Podem fazer-se mil projectos, mil propostas de refundação do IILP, mas se não se derem os meios financeiros para que realize tudo o que está pensado, um milhão de directores vão ter sempre o mesmo problema”, disse Amélia Mingas, adiantando que o orçamento de 190 mil euros volta a servir unicamente para garantir o funcionamento do Instituto, que tem a sede na Cidade da Praia, em Cabo Verde.